Elas ganharam o status de modal mais seguro contra as aglomerações. Com isso, pode ter chegado o momento de iniciar uma transformação urbana completa
Seria uma nova “era de ouro do ciclismo”, como apontou o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson? Na Europa, quando as restrições ao isolamento começam a diminuir, vários países estão incentivando (ainda mais) o uso da Bike para evitar lotações no transporte público e, consequentemente, o contágio pelo coronavírus.
O Reino Unido, por exemplo, lançou um pacote bilionário para o incentivo do ciclismo e das caminhadas, de £ 2 bilhões (R$ 13 bilhões). A ideia é aproveitar a explosão do uso de Bikes para transformar em definitivo a Mobilidade urbana.
“A pandemia escancarou vários problemas em nossas sociedades e impôs barreiras como o distanciamento social, o que posiciona a Bicicleta, mais uma vez, como solução viável para o dia a dia das pessoas, seja para melhorar a saúde e a Mobilidade urbana, seja para ajudar a economizar ou mesmo diminuir a emissão de poluentes”, avalia Cyro gazola, presidente da Caloi e também vice-presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo).
De acordo com Gazola, as pessoas buscam Bicicletas mais baratas para se locomover, para se exercitar e, agora, para evitar aglomerações – mesmo com vários pontos de venda físicos fechados. Os que estão abertos e os online, de acordo com o vice-presidente, têm recebido bastante demanda, aumentando o movimento nos meses de abril, maio e junho.
Em maio, após a reabertura das fábricas, a produção de Bicicletas no Polo Industrial de Manaus (PIM) totalizou 21.587 unidades. “Esse movimento inclui pedidos de reparo, além de compras de peças e de acessórios pelo consumidor final. Na cadeia de produção como um todo, existe uma busca bem alta por peças, mas fornecedores e marcas estão trabalhando juntos para suprir a demanda da melhor forma possível.”
Na Vela Bikes, startup brasileira de Bikes elétricas com desenvolvimento e equipe 100% nacionais, fundada em 2012, a pandemia também paralisou as lojas físicas por dois meses, obrigou a fazer ajustes na linha de produção e impactou nas vendas. No entanto, o CEO Victor Cruz também assistiu à demanda online responder por 95% do faturamento, impulsionada bastante pelos canais nas redes sociais.
“Como já estávamos investindo bastante no site, isso nos ajudou a suportar e a atender bem a todas essas mudanças de processo”, explica. “Desde a reabertura de nossas oficinas, observamos aumentos significativos, inclusive na venda de acessórios e nos serviços de revisão e reparos de Bikes até então paradas para os que querem pedalar ou voltar a essa atividade. Ainda estamos analisando, daqui para frente, o funcionamento das lojas físicas nesse ‘novo normal’.”
Incentivo à mobilidade ativa
Para que as Bikes tomem conta das ruas brasileiras, é preciso uma política de estímulo à mobilidade ativa. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, a Bicicleta surgiu naturalmente como solução para manter as cidades em movimento e alavancou uma série de iniciativas para estimular a mobilidade ativa em Milão, Londres, Paris, Berlim, Nova York, Vancouver e em várias cidades dos Estados Unidos e Canadá.
“A Colômbia está fazendo mais ciclovias; a Itália, o Reino Unido e a França estão dando subsídio para a compra de novas Bicicletas. O Brasil deveria seguir o mesmo fluxo, uma vez que estimular o ciclismo é incentivar um hábito angular que pode transformar a sociedade”, analisa Gazola.
“Difícil especificar os motivos de não haver ações voltadas para o ciclismo vindas do poder público. O subsídio para compra e revisão de Bicicletas e ciclovias pop-up seriam boas ideias para viabilizar o crescimento da massa de ciclistas e quebrar a barreira da insegurança.”
Exemplos e possibilidades
O raciocínio de que o papel do Estado é fundamental para consolidar essas políticas públicas também é compartilhado por Marcos de Souza, editor do Portal Mobilize, que acredita que as Bicicletas podem desempenhar um papel-chave na requalificação urbana. “No Brasil, temos o exemplo de Vitória (ES), em que a crise de saúde fez avançar alguns planos cicloviários que estavam parados há anos.
Em Cuenca, terceira maior cidade do Equador, com 700 mil habitantes, estão criando ciclorrotas, faixas para caminhar onde as calçadas são estreitas, e desenvolvendo uma campanha para que as pessoas evitem ocupar as ruas com seus carros.” Souza ainda reforça o exemplo de Bogotá, na Colômbia, uma das primeiras cidades no mundo a ver a Bicicleta e as ciclofaixas de emergência como soluções para o nó pandemia versus mobilidade.
“É muito barato, traz resultados imediatos, as cidades ganham uma nova energia e vibração. Mas muitos prefeitos temem o enfrentamento com o motorista e a cadeia produtiva do automóvel, que ainda é muito forte. Uma boa política é a das ciclofaixas de lazer, que permitem uma ‘degustação’ de pedalar nas ruas.”
Estímulo do poder público
Dados da pesquisa origem–destino do Metrô de São Paulo (2017) indicam que mais de 40% das saídas diárias (ida e volta) com automóveis percorrem menos que 2,5 km e que quase 60% dessas saídas são menores que 5 km.
Para Souza, são pequenas viagens e saídas cotidianas que poderiam muito bem ser feitas de Bicicleta ou a pé. “Bastaria um estímulo do poder público, com uma boa infraestrutura, mais Bicicletas públicas e campanhas de esclarecimento. As pessoas se desgastariam menos, ganhariam tempo, saúde e, principalmente, uma alegria quase infantil. E a cidade toda ganharia muito, porque teríamos 50% menos congestionamentos, poluição, ruído e acidentes de trânsito.”
Ele acredita que São Paulo é perfeitamente ciclável, sendo que os maiores desafio são a extensão e a desigualdade social da cidade, que obrigam mui- tas pessoas a se deslocar entre pontos extremos para trabalhar, estudar ou
tratar da saúde.
“Se conseguirmos revalorizar os centros de bairro, criar oportunidades de trabalho regionalizadas, em uma cidade policêntrica, então os deslocamentos seriam bem mais curtos e tranquilos. Não só de Bicicleta mas também a pé, desde que haja uma boa rede de calçadas transitáveis, sinalização adequada e acessibilidade para as pessoas com baixa mobilidade. Todos ganhariam e economizariam muitos recursos.”
Fonte: Estadão.com.br – São Paulo – SP
Data: 10/07/2020